A Polícia Militar como órgão reprodutor e propagador do racismo (institucional)

genocidio
Jovens em protesto. Foto: EBC

Letícia Costa Silva

            No dia 17 de outubro de 2016, eu e Vitor Block Valente realizamos, com a turma 202 da E.E.B Leonor de Barros, uma oficina com o objetivo geral de compreender as formas “oficiais” através das quais o racismo se expressa, tomando como base a atuação da Polícia Militar. Todo o processo de desenvolvimento, aplicação e avaliação da oficina foi supervisionado pela professora Karla Andrezza Vieira.

            A ideia inicial era que a oficina fosse realizada com uma turma do primeiro ano, usando apenas canções como documentos a serem analisados, de forma a ocupar uma aula do cronograma. Entretanto, a professora Karla percebeu a temática como mais adequada ao segundo ano e a abordagem como, talvez, incentivadora da participação de uma turma bastante apática. Sendo assim, expandimos a ideia original e acabamos com os objetivos específicos de perceber a PM como órgão racista; conceber, em conjunto, um pensamento crítico referente a notícias de morte e tortura de jovens negros; destacar a empatia, sensibilizando para a importância do viver e não mero sobreviver.

            Levamos uma série de documentos para que as alunas e os alunos analisassem em conjunto. Foram eles: (1) a canção Pra não dizer que não falei das flores de Geraldo Vandré, (2) a canção Polícia dos Titãs, (3) a canção Boa Esperança de Emicida, (4) a canção Delação Premiada de MC Carol, (5) excertos de Texto de Antônio Cândido publicado em 1972 está mais atual do que nunca, (6) comunicação interna da PM/SP com texto notadamente racista, (7) vídeo Precisamos falar sobre intolerância do Correio Negro, e (8 e 9) dois vídeos de um noticiário local com matérias sobre dois casos envolvendo tráfico de drogas, um com agentes brancos e outro com agentes negros.

            Num primeiro momento, dispusemos a turma em semicírculo e distribuímos as letras das canções e os excertos do texto. Escutamos as canções em conjunto, ao passo que explicávamos quem eram os intérpretes e em que momento histórico foram produzidas, fazendo um panorama desde a ditadura civil-militar até acontecimentos políticos recentes. Tentamos fazer com que as/os alunas/os falassem se conheciam e o que pensavam das músicas, mas não houve muita colaboração. Depois, pedimos pra que lessem um parágrafo cada do texto e, novamente, buscamos empreender discussão. Pouquíssimas pessoas colaboraram e só o fizeram por conta do constante incentivo nosso e da professora supervisora. Relacionamos o texto com um documento da PM/SP que estimulava a atuação “focando em abordagens” a “indivíduos de cor parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos”.

            Houve então uma pausa para o recreio e durante esse tempo em que as/os estudantes se encontravam fora escrevemos na lousa o nome de três pessoas vítimas da violência policial racista: Claudia Silva Ferreira, Amarildo de Souza e Douglas Rafael da Silva Pereira. Quando voltaram do intervalo, questionamos se sabiam quem eram aquelas. Ao obter resposta negativa, explicamos os casos e pontuamos que a mídia apaga essas pessoas da história ao não apresentar narrativas sobre elas ou ao tentar justificar a violência a que foram submetidas. Percebemos que ao falar de pessoas reais, as quais podiam ser como conhecidas, houve maior impacto, de forma emocional.

            Para encerrar as discussões e encaminhar para a atividade avaliativa, apresentamos os três vídeos (7, 8 e 9) pontuando certos aspectos de destaque. Por fim, pedimos para que escrevessem de forma a perceber: (a) diferenças narrativas entre os vídeos 8 e 9 nos moldes daquilo apresentado no vídeo 7; (b) possíveis formas de a mídia não ser (ou ser menos) RACISTA. Avisamos que os critérios de avaliação seriam a sensibilidade apresentada na escrita (de modo que não aceitaríamos respostas tais qual “bandido bom é bandido morto”) e letra e texto inteligíveis.

            Apenas uma pessoa finalizou a atividade em sala. Das 11 demais, 8 trouxeram pronta na próxima aula. Não nos sentimos confortáveis para fazer uma avaliação quantitativa das atividades, uma vez que várias/os estudantes relataram experiências pessoais ou fizeram reflexões mais abrangentes sobre preconceito em geral. Assim, escrevi notas ao longo dos textos para que, ao receberem-nos de volta, pudessem continuar a pensar sobre o assunto. Para que tivessem uma noção do desempenho no geral, avaliamos com estrelas o cumprimento das propostas iniciais: 1 para quem não tivesse nem procurado responder àquilo que propomos (2 pessoas, uma delas apresentando cópia de texto disponível online), 2 para quem tivesse respondido parcialmente às questões ou feito reflexões sobre violência e preconceito (5 pessoas) e 3 para quem efetivamente respondesse às questões e refletisse sobre possíveis intervenções (2 pessoas, incrivelmente, aquelas mais tímidas e caladas da turma).

            Embora a impressão inicial da oficina tenha sido a de fracasso, já que houve pouquíssimo diálogo, nas aulas seguintes percebemos certo impacto. Uma das alunas me procurou para falar de experiências pessoais, surpreendendo a mim e à professora, já que ela não é uma das alunas que se posicionou durante a oficina e também não costuma intervir durante as aulas. Posteriormente, ficamos sabendo que no dia da oficina, a turma se reuniu no pátio durante o recreio e conversou sobre o tema – a conversa chegou a outras turmas e alguns alunos fizeram menção de entrar na sala para acompanhar o resto da aula, mas foram incentivados a voltar para suas turmas.

            Percebemos, com o retorno das atividades e com posicionamentos subsequentes, que, mesmo que não da forma como havíamos planejado, a oficina “deu certo”. O incentivo à reflexão funcionou em menor ou maior grau e o diálogo sobre preconceito se prolongou. A supervisora gostou da oficina ao ponto de reproduzi-la em outra turma.

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